quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Mãos Autônomas ou Mavis Beacon

Faz bem dois meses já que estou analfabeto de digitação. Alguma vez ficaste catando milho no teclado. Pois é, fiquei assim. Então vamos à estória completa.

Lá por 1997 Mário, um amigo, apresentou-me o Mavis Beacon. É um programinha que dá aula de digitação. Do tipo mesmo das antigas aulas de datilografia com posição das mãos e tudo mais. O legal do Mavis Beacon é que os exercícios são apresentados na forma de jogos. Por exemplo, um dos exercício de treino de ritmo é um robô que anda numa esteira e passa por debaixo de caixas. Cada caixa tem uma letra dentro e o objetivo do jogo é fazer o robô cabecear a caixa na hora que passa por debaixo dela. É claro que para o robô cabecear e valer ponto é precisa apertar a tecla com a letra da caixa. A ideia é bastante simples, mas fica divertido.

Nessa época Mário ficou realmente viciado no Mavis. Éramos estudantes do segundo grau e ele estava digitando a velocidades alucinantes. Quando fazíamos trabalhos escolares em grupo ele era o digitador oficial e conseguia digitar mais rápido do que falávamos, adivinhando as palavras seguintes do texto.

Vasculhando na net, descobri que o Mavis ainda existe. Agora em versão modernosa. Cheguei a instalar no Windows uns aninhos atrás, só por curiosidade mesmo. Ótimo programa! Pena que é pago. Se fosse legal baixar de um torrent crackeado eu recomendaria a todos, mas como não é, né? Há substitudos livres, mas com muito menos diversão. Lá na frente vou contar que usei o Klavaro e o KTouch, ambos no Ubuntu, mas há versões pra Windows também, se usares este sistema.

Esta foi minha primeira experiência com a digitação por tato (alguém conhece uma tradução padrão de touch typing?). Usam este nome porque os dedos se posicionam corretamente sobre o teclado com a ajuda de duas pequenas protuberâncias marcando a posição dos indicadores (se nunca percebeu, olhe o seu teclado). É o tato e a memória muscular que fazem o processo funcionar. Depois de algum treino, não é preciso pensar nas letras componentes das palavras nem olhar para o teclado para escrever. A gente pensa no que quer dizer e as mãos fazem serviço. Trabalham por elas mesmas, sem nossa intervenção. É mais ou menos como falar. Por acaso você pensa em como deve mexer a boca pra falar isso ou aquilo?

Lembrei-me de uma coisa p(h)oderosíssima, que vai deixar o ex-tema-principal para o próximo post. Só saberás de meu analfabetismo depois.

De Quincas Borba, capítulo 80:

"Mas a voz repetiu: — E por que não? — Sim, por que não havia de casar, continuou ele raciocinando. Mataria a paixão que o ia comendo aos poucos, sem esperança nem consolação. Demais, era a porta de um mistério. Casar, sim; casar logo e bem.

Estava ao portão, quando esta idéia começou a abotoar; foi dali para dentro, subindo os degraus de pedra, abrindo a porta, sem consciência de nada. Ao fechar a porta, é que um pulo do Quincas Borba, que o viera acompanhando, fê-lo dar por si. Onde ficara o major? Quis descer para vê-lo, mas advertiu a tempo que acabava de o acompanhar até à rua. As pernas tinham feito tudo; elas é que o levaram por si mesmas, direitas, lúcidas, sem tropeço, para que ficasse à cabeça tão-somente a tarefa de pensar. Boas pernas! pernas amigas! muletas naturais do espírito!

Santas pernas! Elas o levaram ainda ao canapé, estenderam-se com ele, devagarinho, enquanto o espírito trabalhava a idéia do casamento. Era um modo de fugir a Sofia; podia ser ainda mais."